No dia 28 de maio de 2012, a presidenta da República
sancionou a Lei 12.654 que prevê a coleta de perfil genético como forma
de identificação criminal, alterando, para tanto, as Leis nos 12.037,
Lei de Identificação Criminal e Lei 7.210, Lei de Execução Penal. O
novo texto legal, além de autorizar a coleta de material genético,
disciplina o funcionamento dos Biobancos, local nos quais as amostras
ficarão armazenadas, realçando o sigilo sobre os dados depositados e as
consequências para sua violação. Prevê, ademais, as situações nas quais
será possível colher de ADN dos suspeitos e condenados.
A redação empregada pelo legislador amortece a
magnitude das questões que são ínsitas ao uso da técnica já que preferiu
referir-se à alteração de artigos de outras leis, dentre as quais a que
permite a identificação criminal dos que são civilmente identificados,
ao enfrentamento direto do tema, dispondo, explicitamente, sobre a
possibilidade de realização deste procedimento no sistema criminal
brasileiro. Com isto, quis superar, talvez, polêmicas sobre o assunto
uma vez que o uso de ADN ainda enfrenta muitas resistências, das quais
algumas ainda merecem acolhida.
É bem verdade que certos receios dizem respeito ao
desconhecimento da técnica, o que inclui a idéia de que o material
genético armazenado contenha dados que revelem aspectos somáticos ou
comportamentais das pessoas. Em vista da dimensão que vêm ganhando a
neurocriminologia e a neurogenética, teme-se que o ADN recolhido possa
ser utilizado com o fim de estabelecer novas correlações entre crime e
estrutura genética, criando vínculos entre etnia, sexo e outros dados
físicos e desvios comportamentais. Ocorre, todavia que a parte do ADN
usada para obter a impressão genética é considerada imprestável para
qualquer outro fim, por isto considerada não-codificante já que não traz
informação alguma sobre uma pessoa além daquela necessária para a
identificação humana. Os marcadores selecionados são os microssatélites
(STRs, short tandem repeats), exatamente em razão de sua
propriedade, isto é, de conterem formas (alelos) variáveis, que mudam de
um para outro indivíduo. A análise dessas formas e de sua frequência
entre as amostras permite a identificação genética. À luz dessa
informação, pretende-se ter superado as objeções sobre o uso de ADN na
prática criminal forense embora alguns cientistas tenham posições
divergentes quanto à neutralidade dos marcadores.
É importante, de logo, observar que os
microssatelites são extraídos de amostras de tecidos ou de secreções que
contêm informações que podem afetar a intimidade da pessoa. É
essencial, portanto que sejam previstos o descarte deste material e a
forma como ele será feito com o objetivo de impedir seu uso posterior,
por terceiros, para fins diversos daqueles autorizados ou impostos pela
Lei. Não existe, todavia qualquer previsão nesse sentido, ao contrário
do que faz a Lei 11.105, a respeito do descarte de organismos
geneticamente modificados que constitui crime se feito em desacordo com
orientação da CTNBIO.
O ponto central das incertezas e dificuldades na
análise da Lei, no entanto, diz respeito ao fato de entender-se ou não o
fornecimento de material genético como uma forma de identificação
genética.
Se as amostras retiradas constituírem meio de
prova, como tudo indica que o seja, estar-se-á, então, diante de uma
franca violação do princípio inscrito no inciso LXVIII, artigo 5 º da
Constituição Federal que assegura o direito ao silêncio. Em respeito ao nemu tenetur se detegere,
que literalmente, significa que ninguém é obrigado a se descobrir, ou
melhor, ninguém tem o dever de produzir prova em seu desfavor, os
tribunais brasileiros têm recusado o fornecimento de qualquer outro
material capaz de possibilitar a identificação de um suspeito. Assim,
tem ocorrido com padrões gráficos e também com padrões vocais
solicitados para efeito de prova pericial que foram negados pelo supremo
Tribunal Federal, entendo-se que era direito dos acusados a recusa em
fornecer material para exame que poderia lhes ser desfavorável.
No que tange ao direito a permanecer calado, o STF
entendeu que ele poderia ser arguido por qualquer pessoa que prestasse
depoimento, em qualquer das esferas do poder público. Com isto,
tornou-se costumeiro presenciar, nas CPI´s, depoentes convocados para
prestar depoimentos que permanecem calados, frustrando qualquer
expectativa de esclarecimento por esta via. Esta interpretação
ampliativa, que estendeu a outros espaços o direito ao silêncio, além
daquele no qual se desenrola o processo penal, fortaleceu, no país, sua
autoridade.
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