domingo, 24 de março de 2013

Interrogatório on-line para suspeitos ou acusados de crimes ?

Os prós e os contras do sistema

Diversas são as manifestações contrárias ao teleinterrogatório, sendo menos numerosa ou enérgica a oposição ao teledepoimento (para peritos, vítimas e testemunhas) e à telessustentação, esta para advogados, defensores e membros do Ministério Público. A utilização de videoconferência para a tomada de declarações de suspeitos ou acusados de crimes levanta maior repulsa entre os críticos das aplicações de informática jurídica, tendo em vista a necessidade de assegurar os preceitos constitucionais que garantem aos acusados a ampla defesa e o due process of law.
O movimento de oposição ao interrogatório on-line tem sido capitaneado em nosso País principalmente pela Associação Juízes para a Democracia, pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, pela Associação dos Advogados de São Paulo e por outras entidades de âmbito estadual e nacional, inclusive órgãos públicos.
Com efeito, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça manifestou-se oficialmente contrariamente ao teleinterrogatório no Brasil. A Resolução n. 5, de 30 de setembro de 2002, fundada nos pareceres dos conselheiros Ana Sofia Schmidt de Oliveira e Carlos Weis, rejeitou a proposta de realização de teledepoimentos de réus, consubstanciada na Portaria n. 15/2002, mesmo para a ouvida de presos considerados perigosos.
Em que pese a autoridade do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, sua recomendação não tem força normativa e não tem impedido a implantação do sistema em juízos criminais e de execuções penais por todo o Brasil.
Fundamentalmente, a repulsa ao método de interrogatório a distância deita raízes nos princípios do devido processo legal e da ampla defesa (art. 5º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal), bem como na letra do art. 185 do CPP, que dispunha que "O acusado, que for preso, ou comparecer, espontaneamente ou em virtude de intimação, perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado". A questão de fundo é, assim, a expressão "comparecer perante a autoridade judiciária".
Mesmo com a reforma parcial do capítulo sobre o interrogatório do réu no CPP, decorrente da Lei n. 10.792/2003, as razões de inconformismo não se alteraram, tendo em vista que a nova redação do artigo 185 do CPP não permitiu expressamente o teleinterrogatório, mas também não o proibiu, como era intenção inicial dos opositores do sistema audiovisual.

Não concordamos que uma exegese da letra do artigo 185 do CPP, na sua anterior ou na atual redação, tenha o condão de inviabilizar o sistema de teleinterrogatório. Nações democráticas da Europa já adotam o teleinterrogatório, sem qualquer lesão a direitos individuais de imputados, tanto no plano interno quanto no espaço jurídico comum europeu. Além do mais, sabe-se que a interpretação gramatical ou literal não é a melhor para solucionar uma questão tão complexa.
Na sistemática do CPP, "comparecer" nem sempre significa necessariamente ir à presença física do juiz, ou estar no mesmo ambiente que este. Comparece aos autos ou aos atos do processo quem se dá por ciente da intercorrência processual, ainda que por escrito, ou quem se faz presente por meio de procurador, até mesmo com a oferta de alegações escritas, a exemplo da defesa prévia e das alegações finais. Vide, a propósito, o art. 570 do CPP, que afasta a nulidade do ato, considerando-a sanada, quando o réu "comparecer" para alegar a falta de citação, intimação ou notificação. Evidentemente, aí não se trata de comparecimento físico diante do juiz, mas sim de comunicação processual, por petição endereçada ao magistrado.
Se é assim é, pode-se muito bem ler o "comparecer" do art. 185 do CPP, referente ao interrogatório, como um comparecimento virtual, mas direto, atual e real, perante o magistrado.
A Lei n. 10.259/2001, que cuida dos Juizados Especiais Federais (cíveis e criminais), permitiu que as turmas de uniformização de jurisprudência reúnam-se por meios eletrônicos. De fato, o art. 14, §3º, da lei, diz que "A reunião de juízes domiciliados em cidades diversas será feita pela via eletrônica". Que é isto senão uma audiência virtual? Estamos diante de uma sessão de julgamento plenamente válida, embora os juízes participantes não estejam presentes no mesmo recinto, mas sim presentes em recintos diversos, em plena interação.
Alega-se que o artigo 9º, §3º, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (Pacto de Nova Iorque) e o artigo 7º, §5º, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), prevêem o direito do réu de ser conduzido à presença física do juiz natural. Ora, as referidas normas falam apenas em levar o detido à "presença do juiz", e a presença virtual, ao vivo, atual e simultânea, por meio de videoconferência, confere ao acusado as mesmas garantias que o comparecimento in persona, diante do magistrado.
Portanto, desde que seja garantida a liberdade probatória ao acusado e que sejam assegurados ao réu os direitos de ciência prévia, participação efetiva e ampla defesa [1] (inclusive com o acompanhamento do ato in loco por seu defensor e/ou por um oficial de justiça), não há razão para temer o teleinterrogatório, sob o irreal pretexto de violação a direitos fundamentais do acusado no processo penal. Até porque só há nulidade processual, quando existir prejuízo, e não se pode afirmar que essa é a regra no tocante a teledepoimentos criminais.
Ademais, o comparecimento físico do acusado perante a autoridade judicial não é exigido pelo direito internacional nem pela Constituição brasileira. Com efeito, o art. 5º, inciso LXII, declara que "A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada". Frise-se: a prisão será "comunicada" ao juiz competente. Não impõe a Constituição a apresentação do réu ao juiz, na sede do juízo, mesmo num momento em que a legalidade ou legitimidade da prisão em flagrante ainda não foi verificada pelo Judiciário.
O teleinterrogatório não é um dos males do tempo. Ao contrário, vem eliminar certas burocracias e óbices ao andamento dos feitos criminais. Não esqueçamos que a videoconferência se presta à ouvida de réus presos e de réus soltos, detidos na mesma ou em comarca diversa do distrito da culpa, ou residentes a longas distâncias do foro. Assim, o sistema atende a interesses fundamentais de uns e outros.
A mera mudança do procedimento de apresentação do réu ao juiz, especialmente nos casos em que estejam em julgamento presos perigosos, não elimina nenhuma garantia processual, nem ofende os ideais do Estado de Direito. Basta que se adote um formato de videoconferência que permita aos sujeitos processuais o desempenho, à distância, de todos os atos e funções que seriam possíveis no caso de comparecimento físico.

O interrogatório, momento culminante da autodefesa do réu, não é nulificado simplesmente porque se optou por este ou por aquele modo de captação da mensagem. Destarte, tanto pode o réu falar diante do juiz, e ter o seu depoimento transcrito a mão, em máquina de escrever ou em computador, quanto pode fazê-lo em audiência gravada in loco, ou em interrogatório transmitido remotamente por vídeo-link. O meio utilizado não desnatura nem contamina o ato. O que importa é que, em qualquer das hipóteses, se assegure ao acusado o direito de ser acompanhado por defensor e os direitos de falar e ser ouvido, de produzir e contrariar prova e o direito de permanecer em silêncio quando lhe convier (art. 5º, LXIII, da CF).
O teleinterrogatório elimina algum desses direitos ou cerceia alguma dessas liberdades? Perde-se o direito ao silêncio? O juiz abandona sua imparcialidade? Institui-se um tribunal de exceção? O réu é proibido de falar ou impedido de calar? A comunicação entre as partes e o magistrado é interrompida, vedada ou limitada? Elimina-se a interação do acusado com o juiz, a acusação e os demais intervenientes do processo? Desaparece o feedback comunicacional? Não, evidentemente não. Todas as formalidades dos artigos 185 a 196 do CPP são cumpridas. Todas as indagações dos artigos 187 a 190 podem ser feitas. Todos os direitos são respeitados, na substância e na essência. Onde, então, o problema?
A presença virtual do acusado, em videoconferência, é uma presença real. O juiz o ouve e o vê, e vice-versa. A inquirição é direta e a interação, recíproca. No vetor temporal, o acusado e o seu julgador estão juntos, presentes na mesma unidade de tempo. A diferença entre ambos é meramente espacial. Mas a tecnologia supera tal deslocamento, fazendo com que os efeitos e a finalidade das duas espécies de comparecimento judicial sejam plenamente equiparados. Nisto, nada se perde.
Sabe-se que não há nulidade sem prejuízo. É a regra do art. 563 do CPP: "Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa". Por sua vez, o art. 564, inciso III, alínea ´e´, determina a nulidade do processo em caso de falta de interrogatório. Vale dizer: o que anula a ação penal é a falta do interrogatório, e não a sua realização por meios tecnológicos. Pergunta-se objetivamente aos opositores da teleaudiência: falando em tese, há algum real prejuízo para o réu com o teleinterrogatório? Não. Logo, não há qualquer justificativa jurídica, nos planos da razoabilidade e do garantismo, para tolher ou proibir tal forma de interrogatório, em que o comparecimento continua a ocorrer, sendo o réu conduzido à presença virtual do juiz da causa, sem prejuízo do contraditório efetivo.
Ainda no plano das nulidades, vale mencionar que o art. 564, inciso IV, do CPP, dispõe que haverá nulidade "por omissão de formalidade que constitua elemento essencial do ato". O comparecimento físico do réu diante do juiz para ser interrogado não é uma formalidade ad substantiam. Ademais, a realização do teleinterrogatório não acarreta omissão de formalidade alguma, mas substituição de um procedimento por outro. Mesmo que a forma aqui fosse elemento essencial do ato, a nulidade seria relativa, pois segundo o art. 572, inciso II, do mesmo código, as nulidades ali referidas consideram-se sanadas "se, praticado por outra forma, o ato tiver atingido o seu fim". Aqui se lança uma pá de cal sobre o assunto. Se a finalidade do ato é atingida, não há nulidade alguma a declarar, preservando-se o teleinterrogatório. A regra aplica-se ainda às nulidades relativas previstas no art. 564, III, ´e´, segunda parte, e ´g´, do CPP.
Repetimos: não guardamos dúvidas quanto à possibilidade jurídica da realização de teledepoimentos no processo penal brasileiro. Todavia, demonstrando a natureza controvertida do tema, há decisões isoladas de tribunais nacionais reconhecendo a ocorrência de nulidade em processos em que se adotou o sistema de videoconferência para a realização de interrogatórios. Exemplo desse tipo de posicionamento é o da 10ª Câmara do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, que na apelação n. 1.393.005/9, assim decidiu, por unanimidade, em 22 de outubro de 2003:

Porque , segundo a obra do homem , ele lhe paga ; e faz a cada um segundo o seu caminho .   JÓ 34/11

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