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Desafio no âmbito dos Direitos Humanos, a discussão sobre segurança pública e justiça penal passa pela necessidade de visões críticas, que questionem os modelos vigentes a partir de seu sentido político, de suas premissas morais ou, ainda, da validade de seus resultados. |
Visto na perspectiva da história recente, o fenômeno do crescimento do número de prisioneiros versus população pode ser considerado mundial. Mas a escala em que se dá, em diferentes países, aponta para situações nas quais o encarceramento é alçado à condição de solução preferencial, atrelada a uma visão política de exclusão para assegurar a ordem na sociedade. Assim, em consequência das práticas de segurança adotadas em anos recentes, os EUA ocupam o ponto mais alto no ranking, com 760 pessoas presas para cada 100 mil habitantes, seguido da Rússia (628). Na outra ponta do gráfi co da privação da liberdade estão os países europeus, onde políticas de segurança, cidadania e direitos humanos tendem a adotar a pena de prisão como recurso último. A comparação foi feita durante o 2º Encontro Nacional do Judiciário, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça, em Belo Horizonte, em fevereiro deste ano. Mostra que frente aos países europeus, os latinoamericanos - Brasil, Chile e Argentina, em particular - ostentam altos índices de prisioneiros. O mesmo estudo destaca que dos atuais 446.687 presos no Brasil, 42,97%, isto é, 191.949 são provisórios, pois constituem aquele grupo de encarcerados que não têm uma situação penal definida. Os números fazem parte da mesma realidade na qual o poder público promete combater com rigor a criminalidade e ampliar as instituições penais para atender ao objetivo. No Estado de São Paulo, onde o total de prisioneiros supera em 56% a quantidade de vagas existentes, segundo informações fornecidas pela Secretaria de Administração Penitenciária, o planejamento prevê que serão construídas 49 unidades prisionais até o fi nal de 2011, com a abertura de 39,5 mil vagas. O dado novo é a proposta de delegar a empresas privadas a construção e administração de presídios, inserindo nessa atividade o polêmico componente do lucro. Dois estados brasileiros, Minas Gerais e Pernambuco, já iniciaram processos para construção de presídios na modalidade Parceria Público- Privada (PPP), fato que foi repudiado em nota pelo Conselho Federal de Psicologia. No Rio Grande do Sul estão em andamento estudos de viabilidade para iniciativa semelhante. Colocada como grande desafio no âmbito dos Direitos Humanos, a tarefa de trazer à tona a discussão sobre segurança pública e justiça penal conta com a contribuição de visões críticas que questionam o modelo a partir de seu sentido político, de suas premissas morais ou, ainda, da validade de seus resultados. "Não está provado em lugar nenhum que a prisão funciona como reabilitadora" argumenta o advogado José de Jesus Filho, assessor jurídico da Pastoral Carcerária, de São Paulo, organismo da Igreja Católica que trabalha com o sistema prisional. Uma das razões para isso, diz ele, é que a prisão atua como um processo de deterioração da identidade do indivíduo, no qual há poucas possibilidades de recuperação. A Pastoral defende que o sistema judiciário amplie a aplicação de penas alternativas à prisão como um meio mais eficiente e benéfico para o infrator e para a sociedade. Hoje, explica o assessor jurídico, a pena é a prisão. Só em segundo plano é que a Justiça vai trabalhar com a possibilidade da pena alternativa. "Não há como deixar de classificar como fracassado um sistema que promete a proteção dos indivíduos, promete evitar condutas negativas e ameaçadoras, e o fornecimento de segurança. Sistema que, hoje, depois de séculos de funcionamento, busca a legitimação de um maior rigor, exatamente no anúncio do aumento incontrolado do número de crimes", analisa Maria Lúcia Karam, juíza aposentada e uma das vozes que se coloca no debate sobre sistemas prisionais. Para ela, as práticas atuais que se valem das chamadas penas alternativas não resolvem o problema. São uma extensão da estrutura de aprisionamento e não diminuem o contingente de criminalizados, pelo contrário, "só faz com que aumente". Hoje, constata, existem mais pessoas que cumprem penas alternativas, do que detidas, sem que isso signifique a reintegração desses indivíduos à sociedade. A ampliação do debate deve começar, assegura, pela demonstração de que o sistema penal "não evita a realização de condutas etiquetadas como crimes. Tampouco alivia as dores de quem sofre perdas por condutas de indivíduos que desrespeitam e agridem seus semelhantes. Ao contrário. O sistema penal manipula essas dores, incentivando o sentimento de vingança". A crítica emitida pelos defensores do abolicionismo penal vê no atual modelo de criminalização o retorno aos traços mais conservadores da sociedade. "Hoje em dia, a chamada questão social é um mero problema de segurança, com o qual todos os indivíduos devem colaborar para manter as condições de reprodução da sociedade capitalista. Estamos regredindo à política oligárquica que propunha solução policial para a questão social.", observa Edson Passetti, professor do Departamento de Política e da Pós- Graduação da PUC SP, e coordenador do Nu-Sol, Núcleo de Sociabilidade Libertária. "A aplicação da pena não reeduca nem integra, não prepara para a inclusão ou renova a vida de alguém que foi apanhado pelo circuito polícia-justiça penal, diz Passetti. Para colocar-se contra tal perspectiva, diz, é necessário propor maneiras de lidar com a situação-problema que envolve pessoas em infrações, a serem enfrentadas com uma atitude conciliatória. "A solução conciliatória entre partes envolvidas é reconhecidamente mais barata para os governos, pois a indenização da vítima é sempre menos dispendiosa que a aplicação da pena", sustenta. Para o coordenador do Nu-Sol, o que tem marcado os anos recentes é o nivelamento de uma mentalidade em vários países: "a disseminação dos programas de tolerância zero, no começo dos anos 1990, em toda América e, posteriormente na Europa, como política de Estado, fez tábula rasa das comparações. De uma só vez, fundiu-se o que se considera ser um problema de segurança, pobreza e controle da chamada criminalidade violenta." Ponto comum entre os proponentes de um outro modelo de justiça é a constatação de que o ato infrator, ou a situação-problema, envolve três partes, o infrator, a vítima e o Estado. E que tem atrás de si um histórico antecedendo o conflito. A lei trabalha somente em um dos pontos dessa situação ao seccionar o autor e a culpa. Optar por um outro caminho implicaria em tratar cada caso de forma específica. "A primeira experiência efetiva pode e deve ser levada adiante com jovens considerados infratores, encontrando-se respostas que bloqueiem a internação e não transformem a liberdade assistida em negócio de ONGs, PPPs, empresas, etc", diz Passetti. "Resolver uma situação-problema é sentar junto e pensar junto com a vítima, o infrator, os técnicos, advogados, dativos ou não, promotores e juizes. Isso significa abdicar do fácil recurso da aplicação da lei", acrescenta. |
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