Primeira mulher a dirigir um presídio de segurança máxima no RN é uma maranhense de 56 ano
Todos os dias, ao sair de casa, em Lagoa Nova, rumo à Penitenciária Estadual de Alcaçuz, em Nísia Floresta, Dinorá Simas Lima Deodato tem uma certeza: sua cabeça estará a prêmio até o entardecer. Como primeira mulher a dirigir um presídio de segurança máxima no Rio Grande do Norte, ela passa o dia entre ladrões, traficantes e homicidas, situação que requer algo além do que competência e dedicação: “Adoro fazer o que faço. Está no meu sangue. Sou muito grata pela oportunidade”. São dez meses em que ‘apenas’ uma fuga foi concretizada (e só fagulhas de rebelião). Experiente em conduzir apenados, após passar um ano e dois meses à frente do Presídio Feminino no Complexo Penal Dr. João Chaves, zona Norte de Natal, ela diz ter sido criticada ao assumir o cargo, sobretudo por ser mulher.“No começo, eles [presos] ficaram chateados. Recebi ameaças de morte e tudo. Mas hoje está tudo bem. Até cartas de agradecimento eu recebo. Isso porque eu brigo por assistência médica e outras melhorias. Eles viram que estou aqui para fazer meu trabalho com seriedade e também para fazer o melhor por eles, mesmo com tanta dificuldade”. Local cujo histórico registra a coexistência harmônica entre decapitações e batismos coletivos, Alcaçuz é para poucos. Dinorá conta que os primeiros dias foram de provação. “Quando cheguei, isso aqui parecia um shopping, com os presos à vontade, sem limite algum e quase nunca eram revistados. Mudei isso com muita luta e coragem”. No dia 18 de abril passado, em virtude da visita do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa, foram recolhidas facas artesanais, aparelhos celulares e drogas variadas.
Maranhense de Grajaú, cidade distante 580 quilômetros da capital São Luís, a vida de Dinorá sofreu uma mudança radical em 2005, ao ser aprovada no concurso para agente penitenciário. Até então recebia uma generosa pensão do ex-marido, de quem separou em 1995. Filhos e amigos se espantaram com a decisão de trocar a calmaria doméstica pelo convívio diário com o que a sociedade produziu de pior. “Louca!”, “Sem juízo!”, foram os epítetos mais suaves. “Quando separei, eu só tinha o primeiro grau. Era dona de casa e muito podada pelo meu ex-marido. Mas eu queria crescer, queria ser eu mesma, não nasci para ser uma pedra que fica parada num canto”. Ainda que o laço matrimonial tenha sido cortado, ela diz manter um bom relacionamento com o ex-cônjuge, com quem teve quatro filhos.
A mais velha delas seguiu o caminho da mãe ao virar agente penitenciária. Com parte da família voltada para o sistema prisional potiguar, a preocupação dos outros filhos veio de forma natural. “Eles perguntam como eu aguento a rotina de trabalhar em Alcaçuz durante o dia e fazer faculdade de direito à noite. Mas eu não sinto cansaço algum. Pelo contrário, sinto um prazer enorme, porque não sei ficar em casa sem fazer nada”. Em meio aos 736 presos trancafiados em Alcaçuz, no momento, a administradora de 56 anos diz ter jogo de cintura para manter o clima pacífico e que trabalhar com homens é mais tranquilo. “Mulher tem muito problema de saúde para quem administra um presídio. Sempre tem uma grávida ou menstruada que dá trabalho”.
A recente entrega de fardamentos, coletes e uma viatura renovaram o ânimo dos funcionários do maior presídio do Estado. No entanto, o risco de vida e o alto grau de insalubridade ainda persiste. “Aos poucos, vamos conseguindo melhorar a estrutura. E os presos sentem isso. Existia um costume de bater na grade para protestar, para mostrar insatisfação com alguma coisa. Era um barulho grande. Isso não existe mais aqui, depois que conversei com eles. Eles sabem que trabalho para eles. Como outro dia em que fui ao hospital acompanhar uma cirurgia de um detento. Senti que ele gostou de minha atitude e isso aumenta o respeito que sentem por mim. Quem chegar aqui vai encontrar uma outra Alcaçuz”, acredita Dinorá. Uma das medidas simpáticas foi garantir o direito a 600 gramas de comida no almoço, para cada interno, e a climatização do refeitório dos agentes.
Nem a lei oficiosa de que entorpecentes devem ser liberados para sustentar uma paz artificial muda a tática de Dinorá para impor respeito. “Não admito essa teoria de que tem que ter drogas para eles. Não digo que não tem, mas, se eu receber uma denúncia ou perceber algo nesse sentido, mando vistoriar na hora e abro sindicância, se for o caso. Não faço vista grossa com nada ilícito. Como eles vão se recuperar com tanta facilidade?”.
No começo do ano, o espectro de um surto de tuberculose apavorou os quatro pavilhões de Alcaçuz (das 34 unidades prisionais do Estado, apenas a Penitenciária Estadual de Parnamirim tem atendimento médico, segundo o juiz de Execuções Penais, Henrique Baltazar). E um episódio foi marcante para Dinorá. “Assim que assumi, em 2012, tinha um homem com o rosto todo comido por um câncer. Era uma coisa horrível, que mexeu comigo. Ele estava morrendo sem que ninguém fizesse nada. Isso me motivou a correr atrás de um médico. Hoje ele está curado, graças a Deus”.
A equipe do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), instituição pública também presidida pelo ministro Joaquim Barbosa, responsável pelo Mutirão Carcerário realizado em abril passado, detectou 15 mortes, desde 2007, sem o menor registro de investigação dos culpados. Órgãos genitais arrancados e cabeças usadas como bola de futebol apareceram em fotografias tiradas por um agente penitenciário, autor da denúncia. Os fatos ocorreram durante rebeliões desconhecidas da população. Dinorá sabe das dificuldades para averiguar esse tipo de crime.
“Vários deles têm inimigos, mas sabem que todo cuidado é pouco. Quando recebem ameaças de morte, ficam calados, sem dizer quem mandou o recado. Procuramos checar e quando confirmamos as ameaças, mudamos algum dos envolvidos de pavilhão. Só que isso é raro. Na maioria dos casos, eles silenciam quanto ao nome do inimigo, com medo de represálias”. O cenário infernal tinha o respaldo de agentes anteriores a sua chegada. Alguns estavam sete meses sem comparecer ao trabalho, mesmo com o pagamento depositado mensalmente. Horários eram descumpridos e o compromisso com o censo de Justiça e humanidade era negligenciado. “Sou flexível, mas tive que fazer uma reunião com eles. Muitos ficaram revoltados e mandaram bilhetinhos me ameaçando. Como viram que não recuei, passaram a me respeitar. Hoje quem me questiona aqui é porque não quer trabalhar”.
Fundamental na manutenção da dinâmica interna, a relação entre diretora e a equipe de dez agentes foi incrementada com a construção de um alojamento digno para quem precisa dormir no emprego. “Tenho uma regra comigo. Eu sempre respeito a decisão de um agente na frente dos presos. Mesmo que discorde, na hora, não falo nada e deixo que a voz dele seja a mais alta. Se houver necessidade, depois, à sós, eu o chamo para uma conversa e digo como gostaria que tal situação fosse resolvida”. A tensão do ambiente requer destreza com gestos e palavras, sob risco de agir como se jogasse querosene em uma lenha em ininterrupta combustão. Diante da epidemia de violência que grassa o país, quem faz parte da segurança pública deve dar exemplo de correção e probidade, acredita Dinorá.
Na correria cotidiana, sobra pouco tempo para a vaidade. “Sou simples. Para eu ir ao salão é uma dificuldade. Gasto meu dinheiro mais com comida. Gosto de comer bem e, quando estou disposta, eu mesma vou para a cozinha. Minha mãe dizia que uma mulher tem que saber matar e tratar uma galinha”. Para julho próximo, está programada uma viagem até o Estado meio nordestino, meio amazônico. Com a morte do pai em 2009 (infarto), a progenitora de 87 anos concentrou mimos dos dez herdeiros. “A família é o maior bem que nós temos. Vejo isso quando estou em Alcaçuz. Aquelas pessoas, ou a maioria delas, está ali por falta de estrutura familiar, de carinho, de uma boa educação. Tem gente que não enxerga ou não quer enxergar isso. A violência no Brasil tem jeito. E Alcaçuz também”.
Digo-vos que nem ainda em Israel tenho achado tanta fé. LUCAS 7/9
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