domingo, 24 de novembro de 2013

PRESIDIÁRIOS EVANGÉLICOS DA BAHIA DIZEM : "CADEIA NÃO MUDA NINGUÉM".

Nivaldo Braz, 44 anos, é um preso da Colônia Penal de Simões Filho, região metropolitana de Salvador, e precisa estar no trabalho às 7h de segunda à sábado. Antes de seguir para a distribuidora de farinha de trigo, em Camaçari, ele passa em casa e toma café com a mulher. Evaldo Barbosa, 37, também cumpre pena no local, mas é funcionário interno. Acorda cedo, faz a primeira refeição do dia na própria colônia e só vê a esposa, em Lauro de Freitas, nas saídas programadas.

“Dia 28 desse mês eu vou me casar”, conta Nivaldo, com o largo sorriso. Natural de Barrocas, município que fica a 213 km de Salvador, ele revela que conheceu a esposa através de conhecidos da igreja que frequenta no presídio. A bíblia debaixo do braço, a roupa social e o discurso religioso confirmam quando diz que mudou de vida por causa da religião.

Nivaldo Braz durante o expediente na distribuidora onde trabalha
No Atacadão Regional, onde está há seis meses, ele ganha R$508,50, equivalente a 75% de um salário mínimo. O dinheiro dá para contribuir com o sustento da família, formada por ele e sua esposa, que mora em Simões Filho.

Evaldo Barbosa, de Inhambupe - 165 km da capital, já é casado. Logo depois de iniciar o regime semiaberto em 2009, selou o matrimônio com a mulher que conheceu através da rádio. Ele trabalha há uma ano e nove meses na lavanderia que recebe as roupas do Polo Petroquímico de Camaçari e ganha o mesmo que o colega.

Preso por homicídio e lesão corporal, Evaldo Barbosa relembra o comportamento agressivo. “Eu fui criado apanhando e não sabia que fazer isso com as outras pessoas era errado.” Ele contou que a maior lição aprendida na prisão foi conseguir controlar a própria ira. Um grito, tapa ou qualquer outra atitude impensada dentro do presídio, pode custar a vida de alguém.

Negros, da zona rural, tanto Nivaldo quanto Evaldo são o recorte de uma população carcerária baiana composta por 2.405 homens e mulheres afrodescendentes - do total de 10251 - segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) de dezembro de 2012. Os dois homens partilham a ideia de que “cadeia não muda ninguém”, mas que é possível se regenerar, mediante força de vontade.

Assim, enquanto um vê perspectiva em trabalhar com corte e costura, o outro é categórico ao falar sobre reincidência no crime. “Não faz sentido sair daqui e cometer tudo de novo”, reflete Evaldo.

Ambos são evangélicos e possuem filhos de casamentos anteriores que residem no interior do estado e, vez ou outra, contam com algum dinheiro dos pais. “É pouco, mas dá para ajudar em alguma coisa”, garante Evaldo, que reserva R$50 por mês para comprar biscoitos.

Apesar de trajetórias parecidas, é a lei que prevê, para cada um, 50% do salário mínimo. De acordo com coordenador educacional e laborativo da Colônia Penal de Simões Filho, Valdson Bonfim Júnior, no total há seis “cartas de emprego”, que assim como Nivaldo Braz, trabalham fora do presídio. Há outros 16 empregados internos, na mesma condição de Evaldo Barbosa.

Evaldo Barbosa trabalha na lavanderia instalada no presídio de Simões Filho há mais de um ano
“25% do salário- cerca de R$ 127,13 - ficam retidos em uma espécie de poupança, o Pecúlio, que é liberada quando o interno deixa a prisão ou há alguma emergência médica, por exemplo”, explica Bonfim Júnior. No final, o que vai para a mão dos detentos é R$ 381,37, quando não há descontos por atrasos ou por faltas ao trabalho.

Preconceito
Ao contrário do que reclama a grande maioria dos ex-presidiários, esses dois cidadãos em processo de ressocialização dizem não sofrer preconceito no trabalho. No entanto, Evaldo menciona que durante muitos anos seguindo a religião do Candomblé já foi vítima de discriminação e preconceito.

Luiz Alberto Duarte, 58, patrão de Nivaldo, diz que o funcionário já é o terceiro interno contratado em dois anos. “Trabalhando direito, para mim não tem problema”. “Todo mundo precisa de uma oportunidade”, completa.

A ressocialização
O trabalho que os internos realizam integra o programa de ressocialização da Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização (SEAP). “Esse processo é, antes de tudo, o de socialização”, diz Tânia Lúcia Santos, Coordenadora de Projetos Laborais de Educação da Penitenciária Lemos Brito, o mais populoso de Salvador. “Muitos internos chegam do interior sem saber escrever o próprio nome. Eles precisam de educação, saúde e esporte”, enumera.

Depois de cumprir o regime fechado - que pode variar em cada caso – os presos são encaminhados, na capital, para Colônia Lafayete Coutinho e na região metropolitana, para a Colônia Penal de Simões Filho ou a Colônia Penal de Lauro de Freitas. Nesses lugares, eles têm direito a aulas, cursos profissionalizantes e atividades de lazer que resultam na redução da pena.

Conforme a Lei nº 12.433, de junho de 2011, que prevê a “remissão de parte do tempo da pena” com o trabalho, três dias na empresa e 12  horas de frequência escolar, curso profissionalizante, ensino superior ou requalificação profissional, equivalem a um dia da pena reduzida. Esse benefício assegurado pelo regime semiaberto, de acordo com Valdson Bonfim Júnior, coordenador educacional e laborativo do presídio de Simões Filho, só é possível depois que o preso cumpre um terço do período total que permanecerá na prisão.

A população carcerária de toda a capital e região metropolitana, por sua vez, é pelo menos 160 vezes maior do que a das empresas que possuem alguma parceria com a Seap para contratar os detentos. Há 4.616 pessoas e 28 instâncias que oferecem vagas no ramo de pré-moldados, reciclagem de materiais, dentre outros.

Em Simões Filho, 263 internos disputam as duas empresas que ficam na própria colônia. Já na Penitenciária Lemos Brito são 1.177 detentos e cinco instituições parceiras. Para a psicóloga da Diretoria de Atenção Biopsicossocial do presídio de Simões Filho, Janice Libório, as empresas precisam ter a consciência da importância de contratar esses internos.

Internos são remunerados na lavanderia do Polo Petroquímico de Camaçari
É possível que as famílias requisitem vagas em determinadas empresas para o seu parente. Para isso, basta que a instância redija uma carta com a oferta do trabalho e encaminhe ao presídio. O diretor explica que assistente social checa se a empresa contratante existe de verdade e o juiz valida o processo.

Sem presídios, não há ressocialização
Uma das principais referências sobre Direito Penal, o ministro da Suprema Corte Argentina e professor titular e diretor do Departamento de Direito Penal e Criminologia na Universidade de Buenos Aires, Eugenio Raúl Zaffaroni, observa que “enquanto não podemos eliminar a prisão, é necessário usá-la com muita moderação.” Em entrevista à Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV)/Fiocruz, em julho, ele disse: “Cada país tem o número de presos que decide politicamente ter”.

A partir da perspectiva do teórico, alguns pesquisadores brasileiros reverberam a ideia de que a prisão deve ser usada em poucos casos. Nesses moldes, a ressocialização seria dispensável, sem demanda de presos. Para Natasha Krahn, que estuda o tema no Laboratório de Estudos sobre Crime e Sociedade (Lassos) da Universidade Federal da Bahia, a prisão não é a melhor forma de punir e ressocializar ninguém.

“Para a maior parte dos crimes, deveria haver outros tipos de atuação no combate à reincidência”, acredita. Ainda segundo ela, é impossível ressocializar tirando alguém do convívio em sociedade. “Mas já que as prisões existem, não tem como não existir atividades de ressocialização, ainda que elas nem sempre funcionem”, conclui.

“Sem trabalho não há motivação, os dias demoram a passar e gente só pensa em besteira”, conclui Evaldo Barbosa, da Colônia Penal de Simões Filho. A atividade remunerada é tida com uma espécie de distração, já que a ociosidade prolongada já o levou a pensar em cometer atos que contradizem a sua condição de detento que tenta retornar ao convívio em sociedade.

AQUELE QUE FURTAVA , NÃO FURTE MAIS ;ANTES TRABALHE ................                EFÉSIOS 4/28 a

Nenhum comentário:

Postar um comentário