Juan, 2 anos, na Penitenciária Feminina Ana Maria do Couto May, em Várzea Grande, Cuiabá, no Mato grosso |
Eles são como todos os bebês: engatinham, mamam no peito, comem papinha, não desgrudam das chupetas, fazem gracinhas e causam emoção ao falar "mamãe". O que os torna diferentes é o ambiente à volta. Em vez de quartos limpos, cheirosos, coloridos de rosa ou azul e decorados com motivos infantis, centenas de brasileirinhos, de até 2 anos, vivem trancafiados em celas fétidas de presídios femininos nos quatro cantos do país, alguns em condições subumanas. No lugar dos gradis dos berços, as crianças que nasceram no cárcere e nunca passaram dos portões das penitenciárias conhecem apenas as grades que os confinam com as mães, condenadas ou esperando julgamento por seus crimes. Aos filhos do cárcere, liberdade é algo distante. Resta-lhes um único direito: o amor materno. Essa realidade tão chocante quanto desconhecida da população brasileira o Estado de Minas começa a mostrar hoje em uma série de reportagens produzidas depois de percorrer presídios de Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Mato Grosso, Pernambuco, Pará e Distrito Federal, onde 244 crianças (número subestimado) “cumprem pena”.
Contradições que balançam o berço
Diretores de unidades do sistema carcerário nem sempre seguem a legislação que rege a convivência entre as condenadas e seus filhos
"É muito duro ver uma mãozinha dessa segurando a grade. Até corta o coração", diz E. S., com o filho de 5 meses |
Enviada especial a Cuiabá e Várzea Grande (MT)
O
Brasil tem uma legislação avançada para assegurar diretos a
presidiárias e seus filhos. A Lei 11.942, de 2009, estabelece a
convivência entre mãe e criança do nascimento aos 6 anos. Prevê ainda
berçários e creches nos presídios femininos para atendimento adequado ao
crescimento dos menores. Mas, na prática, é diferente. Bem ao jeito
brasileiro, o que há atrás das grades é um arremedo de assistência. Uma
colcha de retalhos costurada pela direção dos presídios, que tem o poder
de determinar o tempo de permanência do filho com a mãe, de acordo com
as condições do deteriorado sistema carcerário brasileiro. Em Brasília, a
criança é retirada da prisão aos 6 meses; em Curitiba, é possível que
ela fique até os 6 anos. Em Minas, elas deixam o cárcere aos 2 anos e,
no Pará, ao nascer.
A falta de estrutura para a infância nas penitenciárias femininas suscita o debate sobre a necessidade de revisão da atual legislação. A promotora mineira Vanessa Fusco Nogueira Simões, que defendeu dissertação de mestrado sobre o tema, quer encaminhar ao Ministério da Justiça projeto de lei que exija autorização judicial para a permanência da criança nas cadeias, instalação de berçário, creche e a redução da idade de acompanhamento. Na mesma tecla bate o promotor José Antônio Borges Pereira, que exerceu o cargo na Promotoria da Infância e da Juventude e foi autor de um habeas corpus que retirou 30 mulheres e seus filhos das celas insalubres da Penitenciária Feminina Ana Maria do Couto May, em Várzea Grande, na Região Metropolitana de Cuiabá (MT). “A Constituição garante liberdade às crianças”, resume José Antônio.
NOS OLHOS
A falta de estrutura para a infância nas penitenciárias femininas suscita o debate sobre a necessidade de revisão da atual legislação. A promotora mineira Vanessa Fusco Nogueira Simões, que defendeu dissertação de mestrado sobre o tema, quer encaminhar ao Ministério da Justiça projeto de lei que exija autorização judicial para a permanência da criança nas cadeias, instalação de berçário, creche e a redução da idade de acompanhamento. Na mesma tecla bate o promotor José Antônio Borges Pereira, que exerceu o cargo na Promotoria da Infância e da Juventude e foi autor de um habeas corpus que retirou 30 mulheres e seus filhos das celas insalubres da Penitenciária Feminina Ana Maria do Couto May, em Várzea Grande, na Região Metropolitana de Cuiabá (MT). “A Constituição garante liberdade às crianças”, resume José Antônio.
NOS OLHOS
W.A.,
de 40 anos, é o retrato fiel das mães que engrossam a população
feminina carcerária do Brasil. Ela é uma das poucas não beneficiadas com
o habeas corpus coletivo da Justiça. No mais absoluto ócio, W.A. fala
apenas com os olhos encharcados de tristeza. A única luz que emite deles
é quando o irrequieto J., o filho de 2 anos, passa correndo pelo
estreito corredor da cela-berçário, espalhando alegria. A acusada de
tráfico de drogas está presa há dois anos e cinco meses e sente na pele a
lentidão da Justiça brasileira. Ainda espera julgamento. Ela foi presa
em Cáceres, conhecida rota de traficantes, quando grávida de cinco
meses, e transferida para a penitenciária, quando J. nasceu. Ela repudia
ver o filho repetindo gestos de adultos condenados, como “bater a
bigorna” (bater na grade) para chamar a guarda. Para suportar a dor diz:
“Ele precisa esquecer que teve uma infância sem liberdade”. W.A. é mãe
de outros cinco. Ela era arrimo de família e tentou sorte melhor no
lucrativo negócio das drogas. “Não valeu a pena. A riqueza que tinha era
a minha família e tudo ruiu como um castelo de areia.”
E. S., de 26, tem mais em comum com W.A. do que o simples fato de estar encarcerada em Várzea Grande. Sob o calor de 44 graus, ela balança um bebê de 5 meses para tentar aliviá-lo da alta temperatura, que desafia o velhoventilador, mais barulhento que eficaz. E.S. caminha sem rumo pelo exíguo espaço e, ao se aproximar da grade da janela onde acomoda a criança, não se contém: “É muito duro ver uma mãozinha dessa segurando a grade. Corta o coração”. Mãe de outros três, ela não tem qualificação profissional, assim como 45% das detentas sem o ensino fundamental completo. Faz parte da faixa etária mais frequente entre as mulheres que tentam ganhar dinheiro com o tráfico: 62,6% têm entre 18 e 34 anos. E.S. não escapou também de outra estatística, que faz crescer o número de detentas: prisão por venda de entorpecentes, em que se enquadram 61,8% das condenadas. Ou seja, quase três vezes mais que o número de homens – 23,08% da população carcerária masculina – sentenciados pelo mesmo crime no Brasil. Não bastassem as condições indignas de cumprimento da pena, a grande maioria das mães vive na mais absoluta solidão. Não recebem visitas, porque 45% delas são de cidades ou regiões distantes dos presídios. A mãe de E.S., que cria os netos de 11, 8 e 5 anos, só conseguiu ver a filha uma vez, há sete meses.
E. S., de 26, tem mais em comum com W.A. do que o simples fato de estar encarcerada em Várzea Grande. Sob o calor de 44 graus, ela balança um bebê de 5 meses para tentar aliviá-lo da alta temperatura, que desafia o velhoventilador, mais barulhento que eficaz. E.S. caminha sem rumo pelo exíguo espaço e, ao se aproximar da grade da janela onde acomoda a criança, não se contém: “É muito duro ver uma mãozinha dessa segurando a grade. Corta o coração”. Mãe de outros três, ela não tem qualificação profissional, assim como 45% das detentas sem o ensino fundamental completo. Faz parte da faixa etária mais frequente entre as mulheres que tentam ganhar dinheiro com o tráfico: 62,6% têm entre 18 e 34 anos. E.S. não escapou também de outra estatística, que faz crescer o número de detentas: prisão por venda de entorpecentes, em que se enquadram 61,8% das condenadas. Ou seja, quase três vezes mais que o número de homens – 23,08% da população carcerária masculina – sentenciados pelo mesmo crime no Brasil. Não bastassem as condições indignas de cumprimento da pena, a grande maioria das mães vive na mais absoluta solidão. Não recebem visitas, porque 45% delas são de cidades ou regiões distantes dos presídios. A mãe de E.S., que cria os netos de 11, 8 e 5 anos, só conseguiu ver a filha uma vez, há sete meses.
O QUE DIZ A LEI
A
Lei 11.942, sancionada em 2009 pelo então presidente Luiz Inácio Lula
da Silva, institui: “Os estabelecimentos penais destinados a mulheres
serão dotados de berçário, onde as condenadas possam cuidar de seus
filhos, inclusive amamentá-los, no mínimo, até 6 meses de idade”. O
artigo 89 determina: “A penitenciária de mulheres será dotada de seção
para gestante e parturiente, e de creche para abrigar crianças maiores
de 6 meses e menores de 7 anos, com a finalidade de assistir a criança
desamparada, cuja responsável estiver presa”. Diz ainda serem requisitos
básicos da creche e berçário “o atendimento por pessoal qualificado, de
acordo com as diretrizes adotadas pela legislação educacional e em
unidades autônomas; e horário de funcionamento que garanta a melhor
assistência à criança e à sua responsável”.
O amargo da colmeia
Na
Penitenciária Feminina do Df não entram brinquedos, por questão de
segurança, faltam espaço e alimentação adequada aos filhos das presas
Tatiane da Silva tem que usar a criatividade para preencher o tempo com M. e vê o desenvolvimento do filho prejudicado pelo confinamento |
O
chocalho feito com uma caixinha de papelão e pedrinhas trilha o caminho
de uma ala para outra. É assim que Tatiane da Sillva, de 32 anos, tenta
distrair o filho M., de 5 meses, quando a cólica insiste em atrapalhar o
sono da criança. O truque ela aprendeu na primeira passagem pela
Penitenciária Feminina do Distrito Federal (DF), conhecida como Colmeia,
quando a filha, hoje com 12 anos, reclamava de dor, fome ou tédio.
Tatiane é reincidente no crime e na gravidez atrás das grades.
Condenada pela segunda vez por tráfico de drogas, ela chegou grávida à prisão. Mãe de cinco filhos, logo que os primeiros enjoos começaram pediu o exame. Estava grávida havia um mês. Quando o bebê nasceu, mãe e filho foram transferidos para a ala dos berçários, um "luxo" dentro do presídio. As mulheres têm direito a dormir em cama e não em blocos de concreto. Em vez de celas, quartos. Também não sofrem com superlotação. Mas o cenário não muda: continuam trancadas e sem nada para ver além de muros e cercas da Colmeia, a 40 quilômetros do Palácio do Planalto.
A segunda gravidez de Tatiane na prisão passou sem sustos. Ela sabia o que a esperava. Iria sentir falta do apoio emocional de um parente e do marido. Teria dificuldade para dormir quando a barriga crescesse e a comida do refeitório lhe daria náuseas. "Na primeira vez, enlouqueci. Não é fácil passar nove meses sozinha. É muito diferente ter um filho na rua e aqui." A mãe experiente também aponta diferenças no desenvolvimento das crianças. Os meninos aprisionados, segundo ela, têm um ritmo mais lento daqueles que nascem fora. Faltam espaço, alimentação adequada, remédio e convivência com outras crianças.
Na Colmeia, a direção estimula o aleitamento materno. Não só pelos benefícios já tão conhecidos, mas pela falta de alimento adequado às crianças, como frutas e legumes. Quem não tem leite para amamentar até os 6 meses, prazo em que os bebês têm que deixar a cadeia pelas regras do DF, depende de doações de leite em pó. Roupas, remédios e produtos de higiene pessoal também chegam pelas mãos de voluntários. Brinquedos não entram. Podem ser transformados em armas. Por isso, sobram chocalhos de pedras e saquinhos plásticos nas mãos das crianças.
"A gente bem que tenta inventar alguma coisa, porque o grande sofrimento é não ter o que fazer. O tempo não passa. Os filhos ficam presos pagando pelo crime da mãe", lamenta Tatiane. Nem na única TV do berçário as crianças têm prioridade. "Entre a novela e o desenho, a novela sempre ganha", brinca, em um dos poucos momentos de descontração. Tatiane é séria e acompanha com o olhar todos os movimentos do filho.
Os dois não se desgrudam. M., assim como os outros bebês, segue a dura rotina imposta à mãe. Raramente, ele sai do colo. Passa, logo pela manhã, pelo "confere" – quando uma agente penitenciária fiscaliza quem está na cela. Toma banho de sol e vai para a a ala de confecções do presídio, onde Tatiane trabalha. M. fica em meio às máquinas, tecidos e as colchas de retalhos que serão vendidos na Feira da Torre de TV, em Brasília.
Tatiane sabe que em um mês terá de se separar do filho. Não quer sofrer como da outra vez, com a filha. Ela se sente mais preparada para voltar para a ala comum e para ficar longe da criança, que vai morar com o pai e os irmãos. "Você tem que pensar nos filhos em primeiro lugar e aqui não é lugar para eles." O ideal, segundo ela, seria a criança ficar até 1 ano com a mãe. É que a Justiça no DF só autoriza a visita depois de completar 1 ano.
Ela ficou três anos sem ver a primeira filha que teve na prisão. A garota foi entregue a uma prima, que não levou a menina para visitá-la. Quando saiu da penitenciária, ela sofreu com a rejeição. A garota não a reconhecia. "Passei três anos tentando mostrar à minha filha todo o meu amor e que eu era mãe dela. Isso não é justo nem para a mãe e nem para os filhos. Mas não quero filho meu vivendo na cadeia e abaixando a cabeça para agente penitenciário ou colocando o braço para trás toda vez que encontrar um policial civil." A filha sabe que nasceu em uma prisão. Tatiane fez questão de contar e espera que isso sirva de lição e não de preconceito.
VERDADE O medo da reação da filha ao saber que nasceu em uma prisão tira o sono de Daniela Alves da Silva, de 23. "Não sei se ela vai me perdoar, se vai aceitar. Pode pensar que roubei a infância dela porque ficou aqui comigo. Não gosto nem de pensar", diz, com lágrimas nos olhos, a Miss Penitenciária 2009. Na verdade, o sono de Daniela anda bem turbulento. Ela também não para de pensar na separação da filha. A menina, de 6 meses, vai passar o Natal e a virada de 2011 com a mãe e depois ficará com o pai. "O tempo todo somos só nós duas. Não sei como será." Ser mãe era um sonho antigo de Daniela. Ela só não imaginava que seria nessas condições. Presa em 2007 por assalto à mão armada, deve terminar a pena em dezembro do próximo ano. "Só quero sair daqui, trabalhar e criar minha filha em um ambiente melhor."
Condenada pela segunda vez por tráfico de drogas, ela chegou grávida à prisão. Mãe de cinco filhos, logo que os primeiros enjoos começaram pediu o exame. Estava grávida havia um mês. Quando o bebê nasceu, mãe e filho foram transferidos para a ala dos berçários, um "luxo" dentro do presídio. As mulheres têm direito a dormir em cama e não em blocos de concreto. Em vez de celas, quartos. Também não sofrem com superlotação. Mas o cenário não muda: continuam trancadas e sem nada para ver além de muros e cercas da Colmeia, a 40 quilômetros do Palácio do Planalto.
A segunda gravidez de Tatiane na prisão passou sem sustos. Ela sabia o que a esperava. Iria sentir falta do apoio emocional de um parente e do marido. Teria dificuldade para dormir quando a barriga crescesse e a comida do refeitório lhe daria náuseas. "Na primeira vez, enlouqueci. Não é fácil passar nove meses sozinha. É muito diferente ter um filho na rua e aqui." A mãe experiente também aponta diferenças no desenvolvimento das crianças. Os meninos aprisionados, segundo ela, têm um ritmo mais lento daqueles que nascem fora. Faltam espaço, alimentação adequada, remédio e convivência com outras crianças.
Na Colmeia, a direção estimula o aleitamento materno. Não só pelos benefícios já tão conhecidos, mas pela falta de alimento adequado às crianças, como frutas e legumes. Quem não tem leite para amamentar até os 6 meses, prazo em que os bebês têm que deixar a cadeia pelas regras do DF, depende de doações de leite em pó. Roupas, remédios e produtos de higiene pessoal também chegam pelas mãos de voluntários. Brinquedos não entram. Podem ser transformados em armas. Por isso, sobram chocalhos de pedras e saquinhos plásticos nas mãos das crianças.
"A gente bem que tenta inventar alguma coisa, porque o grande sofrimento é não ter o que fazer. O tempo não passa. Os filhos ficam presos pagando pelo crime da mãe", lamenta Tatiane. Nem na única TV do berçário as crianças têm prioridade. "Entre a novela e o desenho, a novela sempre ganha", brinca, em um dos poucos momentos de descontração. Tatiane é séria e acompanha com o olhar todos os movimentos do filho.
Os dois não se desgrudam. M., assim como os outros bebês, segue a dura rotina imposta à mãe. Raramente, ele sai do colo. Passa, logo pela manhã, pelo "confere" – quando uma agente penitenciária fiscaliza quem está na cela. Toma banho de sol e vai para a a ala de confecções do presídio, onde Tatiane trabalha. M. fica em meio às máquinas, tecidos e as colchas de retalhos que serão vendidos na Feira da Torre de TV, em Brasília.
Tatiane sabe que em um mês terá de se separar do filho. Não quer sofrer como da outra vez, com a filha. Ela se sente mais preparada para voltar para a ala comum e para ficar longe da criança, que vai morar com o pai e os irmãos. "Você tem que pensar nos filhos em primeiro lugar e aqui não é lugar para eles." O ideal, segundo ela, seria a criança ficar até 1 ano com a mãe. É que a Justiça no DF só autoriza a visita depois de completar 1 ano.
Ela ficou três anos sem ver a primeira filha que teve na prisão. A garota foi entregue a uma prima, que não levou a menina para visitá-la. Quando saiu da penitenciária, ela sofreu com a rejeição. A garota não a reconhecia. "Passei três anos tentando mostrar à minha filha todo o meu amor e que eu era mãe dela. Isso não é justo nem para a mãe e nem para os filhos. Mas não quero filho meu vivendo na cadeia e abaixando a cabeça para agente penitenciário ou colocando o braço para trás toda vez que encontrar um policial civil." A filha sabe que nasceu em uma prisão. Tatiane fez questão de contar e espera que isso sirva de lição e não de preconceito.
VERDADE O medo da reação da filha ao saber que nasceu em uma prisão tira o sono de Daniela Alves da Silva, de 23. "Não sei se ela vai me perdoar, se vai aceitar. Pode pensar que roubei a infância dela porque ficou aqui comigo. Não gosto nem de pensar", diz, com lágrimas nos olhos, a Miss Penitenciária 2009. Na verdade, o sono de Daniela anda bem turbulento. Ela também não para de pensar na separação da filha. A menina, de 6 meses, vai passar o Natal e a virada de 2011 com a mãe e depois ficará com o pai. "O tempo todo somos só nós duas. Não sei como será." Ser mãe era um sonho antigo de Daniela. Ela só não imaginava que seria nessas condições. Presa em 2007 por assalto à mão armada, deve terminar a pena em dezembro do próximo ano. "Só quero sair daqui, trabalhar e criar minha filha em um ambiente melhor."
EU VI...
Penitenciária Feminina do Distrito Federal (DF)
'"Moço, você pode me dar uma foto?' Quando nos preparávamos para sair da penitenciária, fomos surpreendidos pela pergunta das duas mães. Durante horas, eu e o repórter-fotográfico Breno Fortes perguntamos, perguntamos, perguntamos. Queríamos saber tudo sobre a vida de mãe e filho atrás das grades. Nossa ideia era entender como é compartilhar com alguém aquela experiência que parece tão solitária, apesar de o espaço estar sempre cheio de pessoas. Tatiane e Daniela se abriram. Choraram, se emocionaram e relataram o dia a dia na Colmeia. Mas, no fim, queriam guardar um registro dos filhos, que no próximo mês devem ir embora. As crianças nunca tinham tirado uma foto e as mães querem ter uma imagem delas por perto. Cada presa tem direito a quatro fotos. Elas já escolheram as de que mais gostaram." (A.R.)
'"Moço, você pode me dar uma foto?' Quando nos preparávamos para sair da penitenciária, fomos surpreendidos pela pergunta das duas mães. Durante horas, eu e o repórter-fotográfico Breno Fortes perguntamos, perguntamos, perguntamos. Queríamos saber tudo sobre a vida de mãe e filho atrás das grades. Nossa ideia era entender como é compartilhar com alguém aquela experiência que parece tão solitária, apesar de o espaço estar sempre cheio de pessoas. Tatiane e Daniela se abriram. Choraram, se emocionaram e relataram o dia a dia na Colmeia. Mas, no fim, queriam guardar um registro dos filhos, que no próximo mês devem ir embora. As crianças nunca tinham tirado uma foto e as mães querem ter uma imagem delas por perto. Cada presa tem direito a quatro fotos. Elas já escolheram as de que mais gostaram." (A.R.)
Três gerações e uma só história
Mãe,
filha e neto vivem a dura rotina da vida em um presídio da Grande BH.
Em comum com as outras detentas, o desejo de ver as crianças em
liberdade
Maria Clara Prates
Observadas de perto pela agente penitenciária, R.A. e C.G., mãe e filha, cada qual com seu bebê no colo, unidas desde o momento da prisão por tráfico de drogas |
As
cenas seguintes poderiam ser simplesmente um registro de três gerações
de uma família. Mas são o retrato de uma tragédia à brasileira, que se
desenha para o futuro. R.A., de 38 anos, traz nos braços o filho de 11
meses, ao lado da filha C.G., de 22, com o seu bebê de 10 meses no colo.
Uma família como tantas outras não fosse pelo fato de mãe, filha, filho
e neto estarem em reclusão, desde dezembro, no Centro de Referência à
Gestante Privada de Liberdade, em Vespasiano, Região Metropolitana de
Belo Horizonte. R.A. e C.G. foram presas juntas em casa, no Bairro
Pires, em Congonhas, Região Central de Minas, a 89 quilômetros da
capital, quando a polícia descobriu que elas escondiam droga no terreno
onde viviam. Embalando o filho, R.A. busca força para falar, depois de
um longo suspiro, e não consegue mais do que balbuciar: “É difícil, mas
Deus dá força”. Usa da simplicidade para disfarçar a falta de
perspectiva para o futuro. Condenada a cinco anos de detenção, ela tem
dois filhos fora da cadeia, um de 19 anos e outro de 10, além da filha
presa. Discreta, mantém os olhos sempre baixos e aproveita o tempo na
cadeia para participar da oficina de produção de bolsas. Evita falar
sobre o que ocorreu desde a prisão. Como se seu destino também já
estivesse traçado, apesar da juventude, C.G. diz que também tem outro
filho, uma criança de 3 anos. A ele, ainda resta a companhia do pai, um
trabalhador. C.G. segue os passos de R.A. novamente e aproveita o tempo
sem o filho para frequentar a oficina de bolsas. Na unidade de
Vespasiano, uma das mais bem equipadas para mães, as presas têm ainda a
possibilidade de estudar, quartos sem grades, paredes decoradas com
motivos infantis e berços, apesar do apertado espaço. R.A. e C.G. não
demonstram revolta pela parte que lhes coube na vida.
PRESSA
PRESSA
No
sentido inverso, G.M.F., de 32, não consegue disfarçar a revolta ao ver
a filha, M., de 2 meses, na prisão. Mãe de outros nove filhos, oito
vivos, está de volta ao centro depois de desrespeitar as normas da
prisão albergue. Ela foi detida em 2009 por tráfico de drogas, depois de
assumir os “negócios” que eram tocados pelo marido, preso um ano antes.
G.M.F. estava condenada a cinco anos de prisão, dos quais cumpriu um
ano e dois meses, até conseguir o benefício. Perdeu a cabeça na rua e o
direito às saídas durante o dia. Foi reconduzida à cadeia em 20 de
outubro. “Estou buscando força em M. para mudar de vida. Meus outros
filhos estão com a minha mãe, em Itajubá (Sul de Minas, a 448
quilômetros de BH). Gostaria que M. também fosse para lá, mas não há
condição financeira.”
Há uma razão para a pressa de G.M.F. em se separar da filha: que a criança tenha a menor recordação possível da falta de liberdade. “Vou tentar explicar a ela o que é certo e errado, mas não vou esconder que passou por essa experiência ruim.” G.M.F. está aproveitando o tempo no presídio para concluir o 1º ano do ensino fundamental. Na aula de matemática, enquanto faz anotações no caderno, mantém no antebraço a filha, que dorme como anjo, indiferente às angústias da mãe. Para a detenta, o único sonho é retomar a liberdade e conseguir emprego. “Dinheiro não importa mais. Meu marido já cumpriu pena e trabalha como pintor.”
EXCLUSÃO B.L.S., de 28, condenada a três anos e quatro meses de prisão e mãe de um bebê de 5 meses, é taxativa: “Isso aqui não é lugar para criança. É como se estivessem presas”, afirma, apesar da boa estrutura do centro. E usa o cotidiano para expressar a dureza da exclusão de seu filho do mundo: “Imagine uma criança que nunca viu um bicho, um cachorro, que nunca conviveu com um homem. Não deveria existir esse lugar”. Dentro do perfil traçado pelos números no último censo penitenciário, em 2008, ela tem ainda outro filho, de 5, que vive também sem o pai, condenado a sete anos de prisão por tráfico de drogas, em Varginha, Sul do estado. R.A., C.G., G.M.F. e B.L.S. fazem parte de uma população de 69 mulheres abrigadas no centro de Vespasiano, nove delas gestantes. Ali, vivem como qualquer dona de casa. Dividem o tempo entre a aulas, as oficinas de trabalho e as tarefas domésticas. Elas são responsáveis pela lavação da roupa dos bebês e usam o tempo livre nos banhos de sol. Para melhorar a qualidade de vida das crianças, a direção evita o alojamento. Só não consegue mesmo evitar a falta de liberdade. Os muros altos, com equipamentos de segurança, e as guardas fardadas, de coletes à prova de balas, lembram que ali é lugar de cumprimento de pena em regime fechado.
Há uma razão para a pressa de G.M.F. em se separar da filha: que a criança tenha a menor recordação possível da falta de liberdade. “Vou tentar explicar a ela o que é certo e errado, mas não vou esconder que passou por essa experiência ruim.” G.M.F. está aproveitando o tempo no presídio para concluir o 1º ano do ensino fundamental. Na aula de matemática, enquanto faz anotações no caderno, mantém no antebraço a filha, que dorme como anjo, indiferente às angústias da mãe. Para a detenta, o único sonho é retomar a liberdade e conseguir emprego. “Dinheiro não importa mais. Meu marido já cumpriu pena e trabalha como pintor.”
EXCLUSÃO B.L.S., de 28, condenada a três anos e quatro meses de prisão e mãe de um bebê de 5 meses, é taxativa: “Isso aqui não é lugar para criança. É como se estivessem presas”, afirma, apesar da boa estrutura do centro. E usa o cotidiano para expressar a dureza da exclusão de seu filho do mundo: “Imagine uma criança que nunca viu um bicho, um cachorro, que nunca conviveu com um homem. Não deveria existir esse lugar”. Dentro do perfil traçado pelos números no último censo penitenciário, em 2008, ela tem ainda outro filho, de 5, que vive também sem o pai, condenado a sete anos de prisão por tráfico de drogas, em Varginha, Sul do estado. R.A., C.G., G.M.F. e B.L.S. fazem parte de uma população de 69 mulheres abrigadas no centro de Vespasiano, nove delas gestantes. Ali, vivem como qualquer dona de casa. Dividem o tempo entre a aulas, as oficinas de trabalho e as tarefas domésticas. Elas são responsáveis pela lavação da roupa dos bebês e usam o tempo livre nos banhos de sol. Para melhorar a qualidade de vida das crianças, a direção evita o alojamento. Só não consegue mesmo evitar a falta de liberdade. Os muros altos, com equipamentos de segurança, e as guardas fardadas, de coletes à prova de balas, lembram que ali é lugar de cumprimento de pena em regime fechado.
EU VI...
Centro de Referência à Gestante
Privada de Liberdade, em Vespasiano (MG)
“Muros altos, com pintura manchada, equipamentos de segurança e uma pesada porta de ferro batido, com apenas uma portinhola para contatos com o mundo externo. No interior, a revista ao visitante é constrangedora, mesmo que isso ocorra em uma sala pintada em tom pastel, com figuras infantis nas paredes. Os celulares são confiscados e trancafiados por agentes penitenciárias com coletes à prova de balas. Os próximos passos são ainda mais pesados. Não se veem celas, apenas quartos com bercinhos colados às camas das mães. Aos desavisados, poderia parecer quartos simples de maternidade. Mas a diferença está no olhar triste e vacilante das mulheres que balançam os filhos. Os bebês mantêm a inocência. E diante da inocência sai a pergunta desconcertante de uma condenada: ‘Como posso querer meu filho junto de mim se roubo dele o direito de conhecer o mundo? Ele não conhece os bichos, cachorros, galinhas...’. Um misto de enjoo e impotência toma conta de mim. Gostaria de sair dali correndo. Deixaria para trás o problema, mas o dilema se as crianças devem cumprir pena ao lados das mães, como prevê a lei, martela incessantemente em minha cabeça.” (M.C.P.)
Privada de Liberdade, em Vespasiano (MG)
“Muros altos, com pintura manchada, equipamentos de segurança e uma pesada porta de ferro batido, com apenas uma portinhola para contatos com o mundo externo. No interior, a revista ao visitante é constrangedora, mesmo que isso ocorra em uma sala pintada em tom pastel, com figuras infantis nas paredes. Os celulares são confiscados e trancafiados por agentes penitenciárias com coletes à prova de balas. Os próximos passos são ainda mais pesados. Não se veem celas, apenas quartos com bercinhos colados às camas das mães. Aos desavisados, poderia parecer quartos simples de maternidade. Mas a diferença está no olhar triste e vacilante das mulheres que balançam os filhos. Os bebês mantêm a inocência. E diante da inocência sai a pergunta desconcertante de uma condenada: ‘Como posso querer meu filho junto de mim se roubo dele o direito de conhecer o mundo? Ele não conhece os bichos, cachorros, galinhas...’. Um misto de enjoo e impotência toma conta de mim. Gostaria de sair dali correndo. Deixaria para trás o problema, mas o dilema se as crianças devem cumprir pena ao lados das mães, como prevê a lei, martela incessantemente em minha cabeça.” (M.C.P.)
É triste demais essa realidade, como será o futuro dessas crianças que já nasceram privadas da liberdade? Trabalhei um breve tempo como monitora na Febem em SP e no pavilhão onde eu atuava havia 40 crianças, e 20 eram bebes de ate 2 aninhos,alguns trazidos de fora por maus tratos e outras, acho que a maioria, nascidas na prisão. São crianças muito carentes e a a grande esperança delas era a felicidade de ser adotada por uma boa família que a ame de verdade. Um abraço Pr Hugo Daniel e que Deus abençoe cada vez mais essa grande obra que Ele colocou em suas
ResponderExcluirmãos.
ESTA REALIDADE EM NOSSO PAIS É MUITO TRISTE, É PRECISO NOSSAS AUTORIDADES QUE ATRAVÉS DO VOTO COLOCAMOS NA RESPONSABILIDADE DO NOSSO PAÍS , FAÇA ALGUMA COISA. ELES ACHAM QUE ESTÃO FAZENDO MUITO E NÃO ESTÃO FAZENDO NADA. É PRECISO INVESTIR MAIS EM PROJETOS SOCIAIS E CULTURAIS, E ASIM POR DIANTE. QUE DEUS ABENÇOE ESSAS CRIANÇAS QUE NASCEM DENTRO DE UM PRESÍDIO, MAS QUE SEJAM UM GRANDE EXEMPLO NO FUTURO DA HUMANIDADE.
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