As diferenças aparecem quando o visitante começa a circular por ali. Logo depois de ultrapassar o primeiro corredor, vê-se à esquerda uma curiosa placa talhada em madeira com as palavras biblioteca, bibliothèque, librería e library. O local em questão é administrado pelo romeno Mihai Stelian Zdroana, de 26 anos. “Seja bem-vindo”, diz ele, em um bom português, com pouco sotaque. Sua função é organizar o acervo de 11.320 exemplares impressos em línguas como espanhol, alemão, islandês e hebraico, entre outras.
Conjunto de celas do local: muitas rivalidades e poucas visita
Durante o banho de sol em Itaí, é possível ver judeus de quipá conversando em hebraico, lituanos e holandeses fazendo abdominais, peruanos jogando dominó cercados por outros latinos e um muçulmano ajoelhado em direção a Meca para fazer uma de suas cinco rezas diárias. Os devotos de Maomé, aliás, são os únicos que têm direito a uma dieta especial. Suas vasilhas de refeição são separadas das demais para que não seja colocado carne nelas — eles só poderiam comer se os animais fossem abatidos de acordo com as leis do Corão.
Essa torre de Babel carcerária inclui gente de países que vão desde os democráticos e ricos como Japão e Dinamarca até os que estão em zonas de conflito e imersos na pobreza, caso do Afeganistão e da Etiópia. As línguas oficiais ali dentro são português e inglês. Muitos chegam sem pronunciar uma palavra de ambas.
Ainda que religião, língua e etnia sejam diversas, o que os une naquele mesmo espaço é o tipo de crime: 80% cumprem pena por tráfico internacional de drogas. Eles chegam ao país com a promessa de embolsar até 5.000 dólares para transportá-las. “Apreendemos 931 quilos de entorpecentes entre janeiro e julho deste ano”, conta Wagner Castilho, chefe da delegacia da Polícia Federal do Aeroporto de Cumbica.
As ações resultaram na prisão de 238 indivíduos — 65 deles nigerianos. “É o dobro de casos registrados no mesmo período do ano passado”, diz Castilho. Segundo a PF, o problema ocorre porque o Brasil, além de centro consumidor, virou nos últimos anos um corredor de exportação de cocaína, sobretudo para a Europa.
“Os bandidos queriam criar problemas diplomáticos para o Brasil e, por isso, resolvemos agir, concentrando os condenados de fora num só local”, explica Lourival Gomes, secretário de Administração Penitenciária. A escolha do local se deu em razão da relativa proximidade de São Paulo e do acesso por boas estradas.
A agente Cléia Queiroz: responsável pela triagem das cartas diz:
“Apesar dessas rivalidades, essa é uma cadeia calma e nunca tivemos nenhuma rebelião”, afirma o diretor Mauro Henrique Branco. “É uma unidade tranquila porque não há presença de facções criminosas.” No entanto, já ocorreram fugas daqueles que cumprem regime semiaberto. Foram dezenove só em 2010, entre elas a do chileno Marco Rodolfo Rodrigues Ortega e do colombiano William Ganoa Becerra, que participaram do sequestro do publicitário Washington Olivetto no fim de 2001
Os consulados aprovaram a medida de agrupar os presos em um espaço só. “Facilita nosso contato e dá a eles a possibilidade de conviver com pessoas do mesmo país, o que ajuda no processo de ressocialização”, acredita Jacek Such, cônsul-geral da Polônia. Os trabalhos dessas representações incluem arcar com as despesas de um tradutor para ajudar nas conversas com um advogado do estado, além de fornecer material de higiene, livros, revistas e roupas.
No entanto, a queixa de boa parte dos presos é de abandono por parte do corpo consular de seus países — inclusive da própria Polônia. “Recebi apenas dois Sedex com manta de dormir, duas camisas e produtos de higiene desde que estou aqui”, afirma Slawomir Snopkiewicz, preso em São Paulo há oito meses portando 1,5 quilo de cocaína. Polonês de 23 anos da cidade de Lubsko, na fronteira com a Alemanha, ele se queixa de mandar frequentemente cartas ao consulado em São Paulo sem receber resposta. “Parece que fui esquecido”, reclama.
Há exceções. O consulado da Espanha faz visita a cada três meses para saber se os conterrâneos estão sendo bem tratados e oferecer ajuda para envio e recebimento de cartas. “Isso sem falar no dinheiro”, lembra Francisco Pascual Villarrubia, natural de Valência e preso por tentar furtar a arma de um policial na Avenida Paulista. O consulado fornece ajuda econômica trimestral no valor de 300 reais.
Diretor Mauro Henrique Branco: cuidados especiais com a população do local
Uma vez cumprida a pena, os presos terão acesso aos seus pertences. No caso da maioria, isso significa uma ou duas malas de viagem grandes e abarrotadas de roupas. Mais de 700 delas ocupam uma sala, com prateleiras de madeira de 4 metros de altura. Os presos que estavam ilegais no país são automaticamente deportados. Mesmo aqueles que têm permissão para ficar podem sofrer processo de expulsão.
“Esse procedimento é aberto e depende do tipo de crime cometido e do comportamento apresentado na reclusão”, explica o advogado e ex-secretário da Reforma do Judiciário Pierpaolo Cruz Bottini. Alguns detentos sonham com a possibilidade de continuar por aqui. É o caso do polonês Snopkiewicz, que espera ser solto dentro de um ano. “O país tem boas oportunidades”, afirma. “Quero montar um estúdio de tatuagem e me casar com uma brasileira”, diz.
Inclina o meu coração aos teus testemunhos , e não a cobiça SALMOS 119/36
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