ISE conduz menores infratores para o sonho e a realização
|
Educação,
lazer e cultura são as apostas do Instituto Socioeducativo para
ressocializar menores infratores |
De menor infrator a estudante universitário e servidor público. Nesta
reportagem, os leitores vão conhecer a história da vida de
adolescentes que conheceram o mundo das drogas e da criminalidade e que
tiveram boa parte da juventude marcada por tragédias pessoais e
sociais. E mais: estiveram privados da liberdade em uma época da vida
que era para ser marcada por sonhos e realizações.
“O
mais importante é reconhecer o erro e centrar em um foco, porque aqui
fora as portas para o errado continuam abertas. E a mudança depende de
cada um” - Tiago (Foto: Angela Peres/Secom)
Tiago Cruz de Souza, 21, é estudante universitário e está em
harmonia com família, além de fazer vários planos para o futuro. Mas
nem sempre foi assim. Ele conta que, mesmo tendo uma estrutura familiar
positiva, começou a usar drogas por ter se aproximado de pessoas
erradas. Sua primeira internação foi durante um passeio em João Pessoa
(PB) por ter sido pego com entorpecente. Depois disso voltou para Rio
Branco e não demorou muito para que mais uma vez voltasse a cumprir
medidas socioeducativas.
“Tinha uma visão completamente distorcida do que era bom para minha
vida. Quando fui para o Aquiry [Centro Socioeducativo], tive um choque
de realidade. E embora tivesse toda a estrutura, ainda não tinha na
minha mente ideia de seguir novos caminhos”, declarou. Tiago continua a
conversa com a nossa equipe de reportagem dizendo que só depois de três
meses começou a pensar diferente e buscou na educação forças para mudar
de vida. “As pessoas que trabalham nos centros são espetaculares, me
mostraram que eu tinha capacidade de contornar uma situação e que a
educação é o melhor caminho.”
Antes de ser internado, o adolescente estava cursando o 1º ano do
ensino médio e deu sequencia aos estudos no Centro Socioeducativo. Todos
os adolescentes que cumprem medidas socioeducativas devem frequentar as
aulas. A atividade faz parte do conjunto de ações pedagógicas que são
oferecidas aos menores e servem de parâmetro para analisar o avanço e
resposta às medidas.
“O mais importante é reconhecer o erro e centrar em um foco, porque
aqui fora as portas para o errado continuam abertas. E a mudança depende
de cada um”, encerra Tiago.
“Meu
maior conflito era comigo mesmo. Precisava me sentir pronto para deixar
as drogas. E, mesmo que voltasse para o mesmo buraco, eu estava com uma
visão diferente, com outro foco, e isso faz toda a diferença.” -
Gilsicley (Foto: Angela Peres/Secom)
Outra história que merece ser detalhada é a do jovem Gilsicley
Ferreira Monteiro. Ele teve uma infância marcada pela violência
doméstica - morava com os pais e mais seis irmãos na periferia de Porto
Velho (RO). Cansada de sofrer, a mãe pôs o marido para fora de casa.
Desempregada, ela teve que contar a ajuda dos filhos para sobreviver.
“Eu procurei ajuda de todas as formas. Pedia comida na casa das pessoas,
capinava, vigiava carros. Só que depois de trabalhar um dia inteiro as
pessoas não me viam como alguém que precisava levar comida para casa, e
sim como uma criança que queria um pirulito, e davam duas moedas.” A
luta pela sobrevivência continuava, e num espaço curto de tempo o garoto
começou a fazer pequenos serviços para traficantes.
E para “fugir da realidade”, Gilsicley começou a usar drogas. “Queria
aliviar a mente, mas os problemas logo voltavam. Foi aí que comecei a
usar muita droga, e os serviços que fazia para os traficantes já não
cobriam os gastos. Começava aí a traficar”, disse ele. Os próximos anos
foram marcados por muito sofrimento e pela criminalidade. Com apenas
11 anos ele foi encaminhado à delegacia. A primeira internação
aconteceu por conta de um assalto quando ele estava com 12 anos de
idade. Por outras cinco vezes Gilsicley voltou a cumprir medidas
socioeducativas. Em novembro de 2007 fugiu e veio morar em Rio Branco.
A vida dele aqui não foi diferente. Ao cometer mais um ato criminoso
em razão do consumo excessivo de drogas, novamente teve a liberdade
privada. “Minha maior dificuldade era ter confiança nas pessoas. A
sociedade já tinha me virado as costas muitas vezes. E eu pensava que
não tinha nada a perder. Em todas as minhas internações a ideia era
pagar o que devia, sair e continuar na mesma vida de crimes. Triste é
saber que a gente volta para o mesmo buraco”, recorda. Ao praticar novo
ato, o menor foi baleado e mais uma vez voltou a ficar internado, só que
dessa vez o fato de ter sobrevivido o fez refletir sobre a vida.
A história de Gilsicley começou a mudar quando ele foi transferido
para o Centro Socioeducativo Aquiry. “Eles perceberam que precisava de
ajuda. A equipe olhou pra mim não como um menor infrator, e buscou saber
os motivos, as razões pelas quais eu fui parar naquele lugar. Frases
como ‘você pode’, ‘você tem valor, pode construir um caminho diferente’
mudaram a minha vida. Disseram-me que só eu poderia dizer não àquela
vida que eu tinha”. Aos 16 anos ele decidiu que iria mudar. “Meu maior
conflito era comigo mesmo. Precisava me sentir pronto para deixar as
drogas. E, mesmo que voltasse para o mesmo buraco, eu estava com uma
visão diferente, com outro foco, e isso faz toda a diferença.”
Hoje, Gilsicley Ferreira Monteiro é servidor do Instituto
Socioeducativo, onde ministra palestras para os menores que estão
internados e desenvolve o projeto Prevenir é o Caminho. Buscou formação
profissional e se tornou uma referência para outros jovens que passam
por situações parecidas com a sua. A direção do ISE trouxe sua família
para Rio Branco e recebe toda a atenção do jovem. “Os jovens precisam de
referência. O sistema ajuda, mas os adolescentes precisam querer
mudar. Hoje tenho muitos sonhos, quero fazer duas faculdades e ser
professor. Eu sei que hoje muitos adolescentes não entendem o que falo
durante as palestras. Mas no dia que a chama da mudança for acesa dentro
deles, eles vão entender”, concluiu.
Medidas socioeducativas são aplicadas de forma gradativa
Adolescentes recebem orientações da equipe multidisciplinar do ISE (Foto: Angela Peres/Secom)
A equipe a que o jovem se refere é composta por socioeducadores,
psicólogos, técnicos e assistente social. Esses profissionais são
responsáveis pelo trabalho com os menores infratores. O cumprimento das
medidas socioeducativas segue uma dinâmica em Rio Branco. Inicialmente
os menores são encaminhados à Unidade de Internação Provisória, à espera
do julgamento. Quando a sentença determina a privação de liberdade,
eles são encaminhados ao Centro Socioeducativo Aquiry.
Primeira unidade do país a ser construída dentro dos padrões exigidos
pelo Sistema Nacional de Socioeducação (Sinase), o CSE Aquiry prioriza o
investimento na educação e o desenvolvimento pessoal de cada
adolescente na construção de um novo indivíduo. Ao chegar, eles ficam na
“casa amarela”, local reservado para quem apresenta maior resistência
em se adaptar às novas regras. Ao alcançar um novo patamar nas relações
interpessoais, mudam para a “casa verde”, que representa o processo
intermediário, e, por fim, alcançam a “casa azul”, última etapa antes de
serem encaminhados ao Centro Socioeducativo Acre, unidade que abriga os
jovens em processo de finalização da pena, quando estão prestes a
voltar ao convívio da família e da sociedade.
|
A
educação faz parte do conjunto de ações pedagógicas que são oferecidas
aos menores e servem de parâmetro para analisar o avanço e resposta às
medidas socioeducativas (Foto: Angela Peres/Secom) |
“O CSE Acre funciona como porta de saída para os menores de volta à
sociedade. Então temos a missão de incutir neles que existem outras
possibilidades, que a vida tem mais a oferecer que o mundo das drogas e
dos crimes”, destaca o diretor do CSE Acre, Walderlan Lima. O bom
comportamento e a resposta às medidas socioeducativas são a chave para
abrir a porta do CSE Acre. Um local almejado pelos jovens pelas
oportunidades que são oferecidas. Além das aulas, os jovens têm acesso à
biblioteca e participam de cursos internos e externos. Além disso, têm
aula de informática e natação e agora estão desenvolvendo uma escolinha
de futebol.
Graças a uma parceria com a Federação da Indústria do Estado do Acre
(Fieac), estão sendo disponibilizadas 216 vagas em cursos
profissionalizantes destinadas aos menores em medida socioeducativa de
internação. “São direitos agregados. Eles começam a ter a sensação de
pertencer ao meio. Não podemos esquecer que são adolescentes”,
acrescentou o diretor.
João, 17, está internado há dez meses no CSE Acre. Ele já passou
pelas outras etapas e enfatiza a importância de ter novas
oportunidades. “As alternativas nos mostram que é possível enxergar a
vida de outra maneira. Estar internado é uma lição de vida”, comenta o
menor.
Outra atividade realizada nos centros socioeducativos é o artesanato.
Dentro dos próprios alojamentos eles trabalham na confecção de enfeites
e de pulseiras, além de atividades de lazer, esporte e cultura.
Bons exemplos precisam ser multiplicados
Centros
Socioeducativos foram reformados. A reestruturação contou ainda com a
melhoria do abastecimento de água e da manutenção em todos os espaços da
capital e do interior, incluindo troca de lâmpada, iluminação externa,
manutenção da frota de veículos, troca de colchões, kits de higiene
(Foto: Angela Peres/Secom)
Sabendo da necessidade de multiplicar o número de bons exemplos. De
incutir nos jovens que passam pelo Instituto Socioeducativo a
importância de acreditar que é possível seguir um novo caminho, o
governo do Estado tem investido substancialmente para garantir que os
preceitos da Constituição Federal e os dispostos no Estatuto da Criança
e do Adolescente (ECA) e Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo (Sinase) sejam atendidos de forma satisfatória.
E dentro dessa perspectiva investiu na reestruturação física dos
Centros de Reabilitação, na melhoria do abastecimento de água e da
manutenção em todos os espaços da capital e do interior, incluindo
troca de lâmpada, iluminação externa, manutenção da frota de veículos,
troca de colchões, kits de higiene e outros.
Umas das maiores queixas dos menores é a falta da estrutura quando
eles recebem a notícia de que irão voltar para casa. E para ajudar a
suprir essa demanda, o governo está implantando um núcleo de
atendimento e acompanhamento dos familiares e dos menores. A proposta,
de acordo com o diretor do meio fechado, Leonardo Carvalho, é
identificar os problemas e buscar alternativas para ajudar essas
famílias, encaminhando-as para programas de transferência de renda,
quando for necessário, ou oferecendo outro tipo de apoio.
“As equipes do ISE estão realizando um levantamento junto às famílias
para identificar as demandas. Nossa meta é proporcionar mais estrutura
para o menor ter melhores condições na volta para casa”, reforçou
Leonardo Carvalho.
O valor da liberdade
“Apesar
do pouco tempo que estou aqui já posso dizer que, embora as condições
aqui dentro não sejam ruins, o melhor é estar lá do lado de fora.”
-Joana (Foto: Angela Peres/Secom)
“A liberdade não tem preço.” A frase da adolescenteValéria, 16, que
está há dois meses na Unidade Mocinha Magalhães, traduz o sentimento
das menores que estão internadas cumprindo medidas socioeducativas. A
menor foi atraída pela possibilidade de ganhar dinheiro com o tráfico
de drogas. “Apesar do pouco tempo que estou aqui já posso dizer que,
embora as condições aqui dentro não sejam ruins, o melhor é estar lá do
lado de fora”, disse.
Já a adolescente Joana, 14, tem um motivo muito especial para mudar
de comportamento e traçar um novo caminho em sua vida. Ela tem uma filha
de um ano e quatro meses, que está morando com a avó desde que a menor
foi encaminhada à Unidade. “Aprendi que não adianta a revolta. Cometi um
erro, e continuar fazendo coisas erradas só vai me prejudicar. Quando
sair daqui quero ser alguém na vida e cuidar da minha filha”, afirma.
Adolescente
é um exemplo de como o trabalho multidisciplinar dentro das unidades
pode ajudar no processo de transformação dos adolescentes (Foto: Angela
Peres/Secom)
De acordo com a diretora Ronimar Ferreira de Matos, Joana é um
exemplo de como o trabalho multidisciplinar dentro das unidades pode
ajudar no processo de transformação dos adolescentes. A jovem quando foi
internada apresentava claros sinais de rebeldia e revolta. “A mudança
de comportamento é essencial. Temos consciência da importância da
educação para resgatá-las. Mostrar que existe a possibilidade de seguir
novos caminhos.”
Para exemplificar o baixo índice de reincidência da Unidade, a
diretora diz que, em dezembro de 2011, 35 adolescentes estavam
internadas; em abril deste ano 16 estão sendo assistidas. Das 19 que
saíram, quatro voltaram, sendo que apenas uma regressou por ter
cometido novo delito. As outras não cumpriram as medidas impostas pelo
Judiciário, como a realização de trabalhos comunitários, e regrediram de
pena, sendo obrigadas a retomar para o regime fechado.
A valorização profissional
Henrique
Corinto, diretor-presidente do ISE, destaca a importância dos
servidores para sucesso das medidas socioeducativas (Foto: Angela
Peres/Secom)
|
Wanderlan Lima, diretor do CSE Acre, é servidor de carreira e enfatiza a valorização profissional (Foto: Angela Peres/Secom)
|
O diretor-presidente do ISE, Henrique Corinto, pontuou a importância
do reconhecimento ao trabalho dos servidores para que o Instituto
alcançasse os avanços necessários para uma boa gestão. E para isso foram
realizadas reuniões de alinhamento com o sindicato dos agentes
socioeducativos. Entre as conquistas estão o pagamento do Prêmio de
Valorização no prazo estipulado, os servidores efetivos que ocupam
cargos de nível médio e têm formação superior receberam adicional de
titulação, e foram designados servidores do quadro para o cargo de
diretoria das unidades.
Como preconiza o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, os
diretores que assumiram as unidades socioeducativas têm nível superior e
formação na área social, o que tem contribuído para os melhores
resultados na boa relação dos agentes socioeducativos com os
adolescentes. Um exemplo disso é o servidor de carreira Wanderlan Lima,
que assumiu a função de diretoria do CSE Acre em Rio Acre. “Essa sempre
foi uma bandeira da categoria: a valorização dos servidores efetivos. Na
nova gestão estamos buscando um trabalho conjunto e designando
responsáveis por cada setor. Isso tem contribuído muito”, destacou.
Além disso, outro fator positivo foi a contratação de 53 agentes
socioeducativos para atuar em Rio Branco, Sena Madureira e Feijó e
Cruzeiro do Sul, sete psicólogos e três assistentes sociais. Os novos
servidores participaram de capacitações teórica e prática, e o
Instituto implantou o sistema de qualificação continuada para todos os
servidores.
A leitura pode ser o caminho
|
Adolescentes buscam na leitura palavras de incentivo para mudança de comportamento (Foto: Angela Peres/Secom) |
Sempre Haverá um Amanhã: um livro que conta a história de um jovem
casal que depois de ter dois filhos
do sexo masculino esperam por uma
menina. O sonho de ter uma criança bonita e saudável se desfaz quando a
criança começa a crescer e apresenta comportamento diferente das
demais. Ela demonstra um retardo mental. O narrador conta os desafios
para superar os preconceitos e fazer com que a menina estude em uma
escola regular.
|
Artesanato é uma das formas de manter a mente dos adolescentes voltada para novas atitudes (Fotos: Angela Peres/Secom)
|
Uma Luz no Fim do Túnel fala da história de um rapaz pobre que queria
entrar no bando de um traficante, por admirar a trajetória do mundo do
crime. Ele acaba de fato se envolvendo com as drogas e o tráfico. A
namorada também tem a vida marcada pela falta de dinheiro e de
perspectivas. Um livro realista e duro, que procura mostrar a realidade
de muitos jovens e a necessidade de adaptação a um cotidiano de lutas e
de trabalho.
Já o livro Nunca Desista dos Seus Sonhos fala da importância de se
ter sonhos. Através da história de vida de quatro personagens, o autor
mostra que a vitória depende dos sonhos que se cultiva e de
perseverança. A leitura tem sido um diferencial na aplicação de medidas
socioeducativas do ISE. Os relatos das histórias narradas nos livros
foram feitos por dois adolescentes que estão no Centro Socioeducativo
Purus, em Sena Madureira, à espera de julgamento. Eles contam que buscam
na leitura forças para superar os dias de internação.
Durante o atendimento inicial nos centros, foi constatado que os dois
menores não possuem o mesmo perfil dos demais que estão internados.
Eles são primários e até cometerem o ato infracional não tinham relação
com o mundo da criminalidade.
“Aprendi que a gente precisa ter sonhos, porque as barreiras existem.
Temos que ser persistentes. Eu não era muito chegado a ler antes de vir
para cá, mas estou aprendendo muito com os livros”, destacou Ricardo.
Ele conta ainda que se envolveu com drogas por causa da curiosidade e
também de companhias erradas. “Pensava nos prazeres e não no futuro.
Agora tenho que dar mais valor à liberdade e aos conselhos da minha mãe.
Aqui dentro temos tempo para refletir, de pensar no sofrimento que
estamos causando à nossa família”, detalha.,
*os nomes dos menores são fictícios
|
Atividades esportivas fazem parte do dia-a-dia dentro dos Centros Socioeducativos (Foto: Angela Peres/Secom) |
Também com 15 anos, Leandro estava cursando o 1º ano do ensino médio
quando se envolveu em um briga e cometeu uma tentativa de homicídio.
“Minha família é estruturada. E por impulso estou fazendo sofrer aqueles
que nunca me abandonaram. Tenho que ter sabedoria para vencer as provas
da vida”, diz.